quarta-feira, 9 de julho de 2008

Pioneiros ou cobaias?

A recente greve dos camionistas pôs a nu um problema de fundo que muitos ainda não tinham questionado: a dependência dos combustíveis fósseis.

Hoje, o Governo assinou com a Renault-Nissan um acordo que fará com que Portugal seja um dos primeiros países no Mundo a receber o primeiro modelo da aliança franco-japonesa movido totalmente a electricidade. E é de facto algo de aplaudir, já que, sendo nós um dos países mais dependentes da matéria-prima dos combustíveis fósseis, o petróleo.

Agora, outras questões se levantam.

1. Se um carro é movido a electricidade, ela tem que vir de algum sítio. Ora, como nós todos sabemos, a electricidade provém do... petróleo. Em que medida, concretamente, estamos a terminar com a dependência do "ouro negro"? A meu ver, estamos apenas a alterar o fim dessa dependência.

O que quero dizer com isto é: a electricidade não pode ser a única alternativa ao combustível fóssil. Vide o exemplo do Reino Unido: carros movidos a hidrogénio (em que este é obtido através da conversão de água em hidrogénio por electrólise), com um posto de abastecimento doméstico. A autonomia ainda é muito baixa (cerca de 40km), mas isso é apenas uma questão de investigação e desenvolvimento. E isso acompanhará a massificação.

2. Sócrates falou que o custo do Imposto Automóvel para o consumidor final seria reduzido em 70%, já que estes 70% do IA correspondem às emissões (que um carro eléctrico não tem). É um argumento válido, mas é igualmente válido que o preço de venda ao público será bastante elevado devido aos custos de produção e massificação de uma alternativa. Este corte no IA será pura e simplesmente "engolido" pelo preço-base da viatura.

3. No seguimento da questão anterior, surge uma nova: com o previsto preço de venda ao público bastante elevado, como será possível a uma população cujo rendimento médio per capita ronda os 700 euros? Isto é, como é que se quer que um produto seja massificado e de facto considerado alternativa se o target desta campanha não tem meios de o poder adquirir (ou se tem, isso implica encargos insustentáveis a médio-prazo).

4. O que terá a Galp a dizer sobre isto? Não há o risco de haver um grande lobby a impedir a massificação deste tipo de viaturas? Será que a Galp admitirá que os seus postos sejam substituídos por postos da EDP de recarga de baterias? Convém não esquecer que os lucros que a Galp obteve nos últimos anos tornou-a numa empresa com peso considerável no PIB, e logo, com muito peso em todas as decisões relativas ao transporte.

5. O Governo garante que haverá uma rede de recarga de baterias, que permita que um carro eléctrico não descarregue, até 2010. Como é que o Governo pode garantir isso em tão curto-prazo, tendo em conta a desiquilibrada distribuição de postos de combustível, principalmente no interior? Um exemplo claro disto está mesmo à minha porta: entre Beja e Évora, num troço de 78Km ao longo do IP2, não existe UM ÚNICO posto de abastecimento junto à estrada, a não ser que se entre na localidade de Portel (já no distrito de Évora, a 40Km de Beja) e se procure pelo posto (para quem não conhece, é o bom e o bonito...).